Os recentes eventos climáticos que atingiram o Rio Grande do Sul impactaram, direta e indiretamente, milhares de empresários. Em muitos casos, os estabelecimentos empresariais sofreram danos tão substanciais que as atividades tiveram que ser cessadas de forma definitiva.
Grande parte dessas atividades empresariais eram realizadas em imóveis alugados, uma prática estratégica que permite o desenvolvimento empresarial sem um grande comprometimento de fluxo de caixa.
Nesse cenário, surge a dúvida: como ficam as obrigações contratuais entre locador e locatário quando o imóvel locado está inundado? O locatário deve pagar o aluguel mesmo que o imóvel não possa ser utilizado devido à inundação?
Em situações de calamidade pública e eventos imprevisíveis (caso fortuito e força maior), a solução deve ser buscada nos termos do contrato assinado pelas partes, que estipularão a responsabilidade por eventuais consequências patrimoniais. Essas responsabilidades se referem, portanto, ao pagamento ou isenção do pagamento do aluguel.
No entanto, é comum que contratos de locação comercial sejam omissos em relação a esses eventos, não estabelecendo quem será responsável por situações de caso fortuito ou força maior, como alagamentos causados pelas enchentes, que impossibilitam o uso do imóvel.
Diante dessa omissão contratual, as partes devem se voltar para o sistema jurídico, buscando uma solução pautada pela razoabilidade e equidade. Vejamos os aspectos envolvidos:
A Lei de Locações e a falta de regulação específica
A Lei nº 8.245/91, conhecida como Lei de Locações, aplica-se à locação de bens imóveis e dedica capítulo específico à locação não residencial. Porém, não há disposições que tratem diretamente da responsabilidade sobre o aluguel em caso de calamidades públicas.
No entanto, a Lei de Locações estabelece obrigações para ambas as partes:
Obrigações do locador: O art. 22, III, da lei determina que o locador deve garantir que o imóvel mantenha as condições adequadas para a sua destinação durante o período da locação.
Obrigações do locatário: O art. 23, I, impõe ao locatário a obrigação de pagar o aluguel, independentemente de qualquer situação adversa que possa ocorrer com o imóvel.
A princípio, poderia-se concluir que, em caso de alagamento do imóvel, haveria uma quebra contratual por parte do locador, que deveria arcar com os prejuízos decorrentes, isentando o locatário do pagamento do aluguel. Porém, essa solução é apenas aparente, já que o art. 23 da mesma lei impõe ao locatário a obrigação de pagar o aluguel, mesmo que o imóvel esteja temporariamente inutilizável.
O Código Civil e a Responsabilidade por Caso Fortuito ou Força Maior
O Código Civil, em seus arts. 927 e seguintes, trata da responsabilidade civil, determinando que os prejuízos devem ser suportados por quem incorrer em culpa pelo evento. No entanto, eventos da natureza, como as enchentes, não podem ser imputados a nenhuma das partes, salvo se houver uma disposição contratual expressa sobre isso.
Além disso, o art. 393 do Código Civil isenta o devedor da responsabilidade por inadimplemento causado por caso fortuito ou força maior, desde que isso não tenha sido previamente acordado no contrato.
Caso Fortuito ou força maior em desastres ambientais
Os desastres ambientais que ocorreram no Rio Grande do Sul podem ser considerados como caso fortuito ou força maior, pois são eventos naturais imprevisíveis e inevitáveis. Contudo, a definição precisa será dada pelo Poder Judiciário, com base nas particularidades de cada situação e contrato, o que pode gerar um posicionamento mais consistente nas decisões dos Tribunais Superiores.
A importância da prevenção e da negociação
Diante da falta de previsões claras nos contratos de locação, a melhor estratégia para proteger ambas as partes, locador e locatário, é a prevenção. Isso se dá por meio de contratos bem elaborados, com disposições específicas sobre a responsabilidade em casos de eventos imprevisíveis, como enchentes.
Neste contexto, a consultoria jurídica empresarial se revela fundamental. O advogado especializado pode elaborar um contrato robusto, que garanta segurança jurídica para ambas as partes e defina claramente os direitos e deveres em situações como a de calamidade pública.
Caso o contrato seja omisso, a melhor solução é a negociação, conforme autoriza o art. 18 da Lei de Locações. A negociação, mediada por um advogado especializado, pode resultar em um termo aditivo ao contrato, que assegure um acordo justo e equânime entre as partes, com concessões mútuas.
Conclusão
A solução mais sensata para a resolução do impasse entre locador e locatário é a conciliação. O desafio é encontrar critérios de equidade que permitam que ambas as partes enfrentem este período de dificuldades com o menor impacto possível.
A consultoria jurídica empresarial é uma ferramenta imprescindível para o exercício da atividade comercial, não apenas para proteger os empresários de eventuais imprevistos, mas também para facilitar a negociação dos termos do contrato de locação, garantindo uma solução que esteja em conformidade com as necessidades e realidades de ambas as partes.